A perspetiva de ir jantar e passar o
serão com um grupo de pessoas gentis, bem-dispostas, generosas na sua
camaradagem, deu-me um certo bem-estar, traduzido por uma agitação semelhante à
que sentia quando era uma jovem adulta.
Ia ser e foi um serão diferente, muito
mesmo!
Por uma viela engalanada, fazendo
lembrar a aproximação da época dos Santos Populares cheguei junto do lugar previamente
marcado. Em poucos minutos, o grupo foi-se compondo, trocaram-se efusivas
saudações e rapidamente chegou o momento de entrarmos.
No primeiro andar esperava-nos uma sala
preparada para nos deliciar, servindo um jantar e presenteando-nos com um espetáculo
que não era surpresa, conhecíamos o “programa”!
Estávamos ali para ouvir cantar Fado,
Fado vadio, boémio, cantado principalmente por homens e mulheres que,
generosamente, exprimem emoções sem fins comerciais, fazendo-o apenas por amor
ao Fado.
Servido o caldo verde e o bacalhau,
regado com um vinho tinto encorpado, começou o espetáculo.
O apresentador vestido a preceito,
sapatos reluzentes, e um certo ar castiço, difícil de descrever, iniciou a sua
função falando um pouco sobre o que ia “acontecer” e mostrando também os seus
dotes de fadista.
Seguiu-lhe uma longa lista de fadistas
amadores, com vários níveis de talento, com desejos sinceros de exprimir, de evocar
e de partilhar emoções. Versos simples, melodias e letras tristes, sobre o mar,
o amor, o ciúme, … a fatalidade da resignação e a melancolia.
A Maria Severa, o conde de Vimioso e a
Amália foram evocados.
A “grande poesia” esteve ausente! Mas
ouviu-se o Fado cantado pelo povo e para o povo, um Fado genuíno e ingénuo,
embora eu não saiba descrever o que é o Fado!
Amália cantava:
“Perguntaste-me outro dia/ se
eu sabia o que era o Fado/ eu disse que não sabia/ tu ficaste admirado/ (…)/
Amor, ciúme, cinzas e lume, dor e pecado/ tudo isto existe, tudo isto é triste,
tudo isto é Fado (…)”
“O Fado nasceu um dia/quando o
vento mal bulia/e o céu o mar prolongava/na amurada de um veleiro/ no peito de
um marinheiro/ que, estando triste, cantava (…) (José Régio)
Eu apenas sei que o Fado descreve
Portugal e os portugueses.